Reflexões sobre o dirigismo Estatal
Enquanto termino o trabalho sobre a versão originária da constituição económica da reublica portuguesa, fiquem com esta citação...
“Aos adeptos dos dirigismos e directividades vinculados através de normas – e sobretudo constitucionais – acontece hoje o que já aconteceu a Tales de Mileto há milhares de anos. São vítimas de risos irónicos semelhantes aos da mulher-serva da Trácia que acorreu aos gritos de socorro do astrólogo milésico caído num poço quando observa à noite as estrelas. Durante muito tempo esta «queda» e este «riso» tiveram um relevante significado cultural: o descrédito dos teóricos e dos construtores de utopias, acrescentamos nós – mais prestos a captar o mundo das estrelas do que a olhar para as coisas da terra. O trágico da queda não estará, hoje, só na incapacidade de os mira-estrelas assentarem os pés no chão e tentarem compreender as armadilhas da praxis. Mais do que isso: o ruir dos muros revelou com estrondo que a queda não tinha sequer a grandeza do pecado. O poço onde se caiu não é uma cisterna em que a água brota cristalina das profundezas da terra, antes se reduz a uma simples cova, a um fosso banal lamacento e sem fondura. O riso irónico da serva trácia esse transmuta-se em escárnio de multidões, e o olhar para longe fica prisioneiro da fragilidade de um chão aberto a terramotos.”
J. J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador, 2.ª edição, Coimbra Editora 2001