O Génesis
Jeová, por alcunha antiga – o Padre Eterno,
Deus muitíssimo padre e muito pouco eterno,
Teve uma ideia suja, uma ideia infeliz:
Pôs-se a esgaravatar coo dedo no nariz,
Tirou desse nariz o que um nariz encerra,
Deitou isso depois cá baixo, e fez-se a terra.
Em seguida tirou da cabeça o chapéu,
Pô-lo em cima da terra, e zás, formou o céu.
Mas o chapéu azul do Padre-Omnipotente
Era um velho penante, um penante indecente,
Já muito carcomido e muito esburacado,
E eis aí porque o céu ficou todo estrelado.
Depois o Criador (honra lhe seja feita!)
Achou a sua obra uma obra imperfeita,
Mundo sarrafaçal, globo de fancaria,
Que nem um aprendiz de Deus assinaria,
E furioso escarrou no mundo sublunar,
E a saliva ao cair na Terra fez o mar.
Depois, para que a igreja arranjasse entre os povos
Com bulas da cruzada, alguns cruzados novos
E Tartufo pudesse inda dessa maneira
Jejuar, sem comer carne à sexta-feira,
Jeová fez então para a crença devota
A enguia, o bacalhau e a pescada-marmota.
(...)
O pobre criador sentindo-se já fraco,
(coitado, tinha feito o universo e um macaco
Em seis dias!) pensou: - Deixemo-nos de asneiras.
Trago já ma dor horrível nas cadeiras,
Fastio... isto da cabo até duma pessoa...
Nada, toca a dormir uma soneca boa! -
(...)
E até hoje, que eu saiba, inda não fez mais nada.
Guerra Junqueiro (com supressões).