O Rocinante

"Foi logo ver o seu rocim, e embora tivesse mais quartos que um real e mais tachas que o cavalo de Gonela que lantiim peilis ei’ ossa fuit, pareceu-lhe que nem o Bucéfalo de Alexandre, nem o Babieca do Cid se lhe igualavam. Quatro dias passou a imaginar que nome lhe poria, porque (segundo dizia a mesmo) não era razoável que cavalo de cavaleiro tão famoso, e de si mesmo tão bom, estivesse sem nome conhecido; e assim, procurava arranjar-lho de maneira que declarasse bem o que havia sido antes de ser de cavaleiro andante, o que era então; porque era muito razoável que, mudando o seu senhor de estado, mudasse ele também de nome e o cobrasse famoso e de estrondo, como convinha à nova Ordem e ao novo exercício que já professava; e assim, depois de muitos nomes que formou, apagou e abandonou, acrescentou, desfez e tornou fazer ria suas memória e imaginação, acabou por fim por lhe chamar ROCINANTE, nome no seu entender alto, sonoro e significativo do que tinha sido quando foi rocim, antes do que era agora, o primeiro entre os primeiros de iodos os rocins do mundo."
Miguel de Cervantes Saavedra, O engenhoso fidalgo D. Quixote da Mancha