“Quero dizer que, por definição, a existência não é a necessidade. Existir é estar presente, simplesmente, os existentes aparecem, deixam que os encontremos, mas nunca se podem deduzir. Há pessoas, creio eu, que perceberam isto. Somente, tentaram dominar essa contingência inventando um ser necessário e causa de si próprio. Ora, nenhum ser necessário pode explicar a existência: a contingência não é uma ilusão de óptica, uma aparência que se possa dissipar; é o absoluto, por conseguinte a gratuidade perfeita. Tudo é gratuito, este jardim, esta cidade e eu mesmo. É o sentimento disso, quando acontece que ele entra em nós, que nos dá a volta ao estômago, e então começa tudo a andar à roda como no outro da no Rendez-vous dos Ferroviários; ai está a Náusea; aí está que os safados – os do Outeiro Verde – tentam esconder a si próprios com a sua ideia dos direitos. Mas a mentira é pobre e ninguém existe por direito; os burgueses de Bouville são inteiramente gratuitos, como os outros homens, não conseguem deixar de se sentir de mais. E, no seu íntimo, em segredo, transbordam do que são, existem exageradamente, isto é, de uma maneira amorfa e vaga; tristes."
In: La nausée – Jean-Paul Sartre (tradução de António Coimbra Martins – Publicações Europa-América)